domingo, 19 de outubro de 2008

Mãe: amor incondicional?

Como ser uma boa mãe? Qual é o papel dela na família e na sociedade? Mãe tem direito de falhar? Questões como estas são tema de um bate-papo concedido por Maria Ivone Marchi Costa, psicóloga clínica e professora da Universidade do Sagrado Coração (USC), ao Jornal da Cidade De acordo com Maria Ivone, a boa mãe é aquela que cuida, protege e educa. “E educar é mostrar caminhos, ensinar, amparar e dizer ‘não’ quando é pertinente. É também aquela que favorece ao filho, guardada as devidas proporções inerentes a cada idade, se lançar ao mundo”, aponta. Confira outros trechos da entrevista a seguir. JC - O que é ser mãe? Maria Ivone Marchi Costa - É assumir a responsabilidade de nutrir o filho em suas necessidades, de acordo com cada fase de seu desenvolvimento biopsicossocial. Estes cuidados compreendem: alimentação, higiene, educação, afetividade, espiritualidade e moral. JC - Quais sentimentos e emoções envolvem a maternidade? Maria Ivone - Creio que isto é peculiar a cada pessoa, pois a experiência é vivenciada conforme o significado que a pessoa atribui à maternidade. Vale salientar, porém, que, além da representação, o contexto ou circunstâncias também exercem influência nestes sentimentos e emoções. De maneira geral, a maternidade é experimentada como uma vivência ímpar, grandiosa, sentida desde a gestação, quando o bebê começa a se mexer. O momento do nascimento é o eclodir da emoção e esta, num nível menos intenso, perdurará com as devidas peculiaridades em cada fase do desenvolvimento do filho. JC - O amor de mãe é realmente incondicional? Maria Ivone - Creio que para grande parte das mães sim. Muitas vezes, mediante determinados fatos que a vida impõe, a mãe, mesmo que chorando, não concordando, não aceitando, rejeitando ou brigando, tem como pano de fundo algo maior, que é o amor, sentimento que perdoa, ampara, defende e flexibiliza o coração. No entanto, o amor incondicional não é algo natural e universal, não podendo, assim, ser generalizado. JC - Qual é o papel da mãe na família? Maria Ivone - A mãe, de maneira geral, exerce o papel de cuidadora em termos de educação, atenções básicas, afetividade, saúde física, psicológica, união da família, mediação e amparo. Mãe é porto seguro, é amor, ponte entre o lar e o social. Logicamente não devemos nos esquecer, salvo as especificidades de cada configuração familiar, que todas estas atribuições devem ser compartilhadas com o pai. Hoje, as mulheres estão saindo cada vez mais para o mercado de trabalho visando contribuir com a renda familiar e, assim, o pai é cada vez mais convocado a compartilhar também das atribuições em relação aos filhos e aos serviços domésticos. JC - O que é ser boa mãe? É possível atribuir o conceito de bom às mães? Maria Ivone - A boa mãe é aquela que cuida, protege e educa. E educar é mostrar caminhos, ensinar, amparar e dizer ‘não’ quando é pertinente. É também aquela que favorece o filho, guardada as devidas proporções inerentes a cada idade, se lançar ao mundo. Fazer tudo por ele e ser demais permissiva pode significar a nutrição da fragilidade e insegurança do filho mediante o mundo. As mães são passíveis de todos os conceitos, mas, ao mesmo tempo, este julgamento pode ser questionado, já que as mães são humanas e cada uma tem sua história de vida e sua representação sobre a maternidade. Nem todas estão satisfeitas com a condição que a maternidade lhes impõe e nem sempre esta foi uma escolha. JC - Qual a diferença entre boa mãe e mãe boazinha? Maria Ivone - A boa mãe cuida, protege, educa, ensina fazer e visa a gradativa independência do filho. Para isto, de acordo com a circunstâncias, ela é exigente, firme e diz ‘não’ mesmo que seja rotulada de chata e má. Desta forma, possibilita ao filho a vivência da frustração, o despertar da luta pela conquista, o exercício de sua autonomia e a conseqüente segurança. A mãe boazinha é aquela que sempre quer agradar o filho e, com isto, o educa nos princípios do prazer, da permissividade e da privação da vivência da frustração, da possibilidade da busca, do exercício da autonomia e, conseqüentemente, da sua segurança diante das solicitações do mundo. JC - É como sentir culpa em dizer “não” aos filhos? Maria Ivone - Muitas mães entendem que dizer “não” ao filho é algo ruim, por isto sentem culpa. E esta culpa fragiliza e inibe a firmeza e os princípios educacionais. Isto é bem freqüente em mães que sentem que não são boas mães, por qualquer que sejam as razões, e entendem que dizer “não” irá confirmar ainda mais a sensação de não ser boa mãe, optando assim pelo caminho da permissividade, o que, paradoxalmente, pode gerar no filho sentimento de abandono. Embora os filhos relutem contra os limites, precisam e gostam deles. JC - Mãe tem o direito de falhar? Por quê? Maria Ivone - Não existe nenhum manual que ensine como ser mãe, embora seja interessante que elas estejam sempre aprendendo e buscando dar o melhor em todos os âmbitos para seus filhos. Os profissionais da saúde mental muito tem contribuído em pesquisas e publicações. No entanto, esta relação está longe de não ser passível de falhas. A relação mãe e filho é uma relação que vai sendo construída ao decorrer do tempo e permeada não só pela razão, mas também pela afetividade e, com isto, propensa a ser movida mais pela emoção do que pela razão, tornando a mãe mais suscetível a se aborrecer com determinadas atitudes ou até mesmo se sentir impotente diante de algumas situações. Isto não quer dizer que a pessoa que consegue equilibrar emoção e razão não cometa erros. Os filhos são pessoas afetivamente envolvidas, próximas e, logicamente, esta relação é construída por intermédio de acertos, erros e reparações, o que possibilita ao filho a vivencia da imperfeição humana, da reparação, pedidos de desculpas e, assim, ele se permite também a errar e reconhecer o erro do outro. Seria muito difícil para um filho atender as expectativas e conviver com uma mãe perfeita sendo ele imperfeito. JC - A mulher deve ser mãe em tempo integral? Maria Ivone - A mulher não deve ser reduzida ao papel materno. Deve também ter tempo para si e para os outros papéis que desempenha. Ser mãe em tempo integral a torna muito disponível e se esta disponibilidade significa nutrição excessiva poderá favorecer o desenvolvimento de filhos egocêntricos, egoístas, dependentes emocionalmente e inseguros. Logicamente que não se pode cair em extremos e deixar o filho mais autônomo que sua idade ou maturidade permite, já que quanto menor mais dependente a criança é, exigindo mais cuidados por parte da mãe. O oposto também não é saudável, no sentido de deixar os filhos integralmente aos cuidados de outras pessoas, como, por exemplo, babás e não se fazer presente como mãe. A presença afetiva e emocional é passível de ser sentida mesmo que fisicamente a mãe não esteja tão presente. A não-integralidade da maternidade favorece também para que o pai tome parte e se sinta inserido e importante, sendo que muitas vezes o “excesso de mãe” favorece a periferização emocional do pai. JC - Como fica aquela história de que mãe deve defender o filho com todas as garras? Maria Ivone - Trata-se de uma postura típica da mãe superprotetora e que fragiliza o filho. A mãe deve ensinar o filho a defender-se e não fazer por ele. E também ensiná-lo a refletir e admitir seus erros. A defesa incondicional também é tóxica, pois impede que o filho se perceba como co-participante e enfrente seus erros e obstáculos sozinho. Se a defesa incondicional por parte da mãe é um padrão repetitivo, o filho poderá se tornar frágil, inseguro e se colocar numa postura de vítima diante da vida e, assim, ser percebido como tolo quando comparado com os colegas, dependendo da idade. O fato do filho sentir que tem a mãe ao seu lado em termos de cumplicidade, apoio e orientação faz a diferença no sentido positivo, porém, isto não descarta os “puxões de orelha” e a chamada para a realidade. JC - Ser mãe é ser menos egoísta? Por que motivo? Maria Ivone - Muito do que era direcionado para ela, para o esposo ou trabalho, com a maternidade passa a ser compartilhado com o filho - em todos os âmbitos: afetivo, econômico e social. É muito comum a mãe querer por necessidade ou opção se abdicar de algo ou de alguma coisa em prol do filho. E isto é um exercício que requer maturidade emocional por parte da mãe ou dos pai, e se opõe ao egoísmo. JC - Como equilibrar estabilidade profissional e maternidade? Maria Ivone - Primeiramente é preciso ter a consciência da importância do equilíbrio entre ambos. E neste equilíbrio o que está em pauta é a qualidade da relação, a presença emocional. Mesmo trabalhando, é possível estar conectado ao cotidiano dos filhos, separados fisicamente, porém juntos emocionalmente. Vale lembrar que, se a mãe se sente segura sobre estas questões, passará firmeza para o filho e conseguirá ser uma boa mãe e não uma mãe boazinha. O inverso também é verdadeiro, no sentido de que a mãe pode estar em casa o dia todo, mas tão ocupada com seus afazeres que a presença emocional pode deixar a desejar. Estar perto fisicamente não significa proximidade emocional. Mas a educação dos filhos está à cargo da mãe e também do pai. Os sucessos e insucessos no âmbito familiar é responsabilidade dos pais e não somente da mãe.

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